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Cobra que “fala”? Cientistas registram pela 1ª vez som emitido por serpente na América Latina

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Cientistas brasileiros do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) fizeram recentemente o primeiro registro de um som emitido por uma serpente na América do Sul semelhante a uma vocalização. O grupo de pesquisadores filmou o “canto” da cobra da espécie Dipsas catesbyi, conhecida como cobra papa-lesma ou dormideira, e publicou um estudo sobre o caso na revista científica Acta Amazonia, em setembro.

A cobra também é conhecida como falsa-jararaca e jararaquinha-do-brejo, e pode ser encontrada na Amazônia e na Mata Atlântica. A descoberta foi feita pelos pesquisadores em junho de 2021 – os cientistas Igor Yuri Fernandes, Alexander T. Mônico e Esteban Diego Koch estavam fazendo uma trilha noturna no município de Presidente Figueiredo, no Amazonas, em busca de rãs, sapos, pererecas e serpentes, quando encontraram uma cobra dormideira. 

Enquanto eles observavam o hábito típico da espécie de aninhar a cabeça no corpo e gravavam o comportamento de um macho pequeno, o trio foi surpreendido pela vocalização, a emissão de um som que classificaram como “grito”, semelhante a um chocalho.

“Os pesquisadores decidiram filmar os hábitos do comportamento que a serpente tem, como de esconder a cabeça. Ao ser manuseada, a papa-lesma emitiu um som, parecido com um grito, que foi registrado em vídeo”, explicou o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia em nota.

Primeiro registro de vocalização de uma cobra na América do Sul

Eles publicaram o vídeo e as imagens em uma página do Projeto Suaçuboia, iniciativa estabelecida por parte dos cientistas envolvidos na pesquisa.

“Descobrir que uma cobra vocaliza é virar a herpetologia (estudo de anfíbios e répteis) na América do Sul de cabeça pra baixo! A repercussão está sendo enorme com o achado e a melhor parte é ver as pessoas achando fofo uma cobra, com todos os seus estigmas sociais. Acho que além do valor científico desta descoberta, o retorno por meio da educação ambiental é maravilhoso”, explica Igor Fernandes, que também é fundador do Projeto Suaçuboia.

Inicialmente, eles pensaram que o som poderia ter vindo de outro animal, mas uma avaliação posterior confirmou que a origem estava na cobra.

“O canto […] teve duração de 0,06 segundo, atingindo 3036 Hz em sua frequência de pico com nota modulada, emitida por meio da exalação de ar pela laringe. Nossa hipótese é que emissões vocais estruturadas como esta são uma reação a uma tentativa de predação e podem ser uma característica compartilhada por outras espécies de Dipsadidae e outras serpentes”, detalha o artigo.

Os pesquisadores acreditam que essa vocalização seria um resquício evolutivo do grupo mais próximo ao das serpentes, o dos lagartos, que por sua vez possuem um repertório vocal mais variado.

A hipótese é de que o som seja emitido com propósito de defesa, já que, de acordo com Fernandes, a amplitude de audição das cobras é bem pequena, de forma que elas não ouvem o som que emitem. “Por isso, a gente acredita que a vocalização seja mais direcionada para assustar os predadores. Mas ainda precisamos estudar mais isso,” conclui.

Essa foi a primeira vez que pesquisadores registram a vocalização de uma cobra na América Latina, mas há diversos outros casos de vocalizações de outras espécies de serpentes em partes diferentes do mundo, como Ásia e América do Norte. Além disso, muitas cobras nativas do Brasil e da América Latina emitem sons, como o sibilo da jiboia e da sucuri e o chocalho da cascavel. Contudo, esses sons não se classificam como vocalização.

A papa-lesma é uma espécie amplamente encontrada na região da Amazônia e em áreas de transição entre o bioma e o Cerrado, conforme o Inpa. 

“A descoberta tem potencial para revolucionar a herpetologia na região, ao mesmo tempo em que destaca a importância da conservação dessas espécies”, defende o Instituto, cujo propósito é gerar e difundir conhecimento e tecnologias e capacitar recursos humanos para o desenvolvimento da Amazônia.